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quinta-feira, 11 de março de 2010

* Para quando Caio chegar *




Sofia agora tem 4 anos, corre até a sala onde estão todos que a cuidam temporariamente, não vislumbra nada dos seus lados (mesmo que nesse momento estejam todos lá), segue até a janela e pára com o que vê.
Sofia não lembrará possivelmente do seu trenzinho de madeira pintado minuciosamente com verniz, nem de seu ursinho rosado chamado "Cerejoca", talvez esqueça também daquela cançãozinha que morava dentro da caixa de música.
Sofia tem 4 anos apenas.
Seu vestido tem um corte quase perfeito. E digo "quase" pois Sofia com suas apenas quatro primaveras ainda vestirá roupas mais alinhadas. Não que isso importe, mas Sofia será uma princesa (e isso foi decretado há muito por quem sempre sonhou com a sua vinda).
Sofia tem um vocabulário estreitinho,
curto.
Mas há sentimentos que dispensariam as palavras.
Sofia olha da janela a coisa mais bonita que seus olhos um tanto castanhos um tanto esverdeados poderiam enxergar.
Descem do carro seus pais e têm nos braços um pequeno embrulho (que logo seria um dos três motivos mais importantes da vida de Sofia).
Se Sofia fosse uma criança comum perguntaria:
- O que trouxeram de presente pra mim?
Mas como você bem notou, Sofia tem algo encantador. E ela pensa:
- Que saudade que eu estava deles.
Sofia sai de perto da janela e torna a correr. Dessa vez em direção à porta do apartamento.
A mãe de Sofia emprestou à menina os olhos esverdeados, o sorriso largo e a alma adorável.
Do pai, Sofia recebeu o cabelo quase ruivo, o cheirinho bom do lado do nariz e a mania de dizer que está "titi".
Sofia abre seus bracinhos miúdos abraçando em apenas um apanhado seus pais.
Olha pra dentro do pequeno embrulho com a curiosidade que lhe é natural da meninice e fala:
- Esse é o meu irmão, né?
A mãe olha pra filha ruiva e diz:
- Esse é o outro pedacinho dos nossos corações.
Sofia sorri.
Ao longo dos seus próximos anos,
Sofia poderá esquecer de certas coisas,
mas nunca, nunca mesmo que é um pedacinho de coração.

quarta-feira, 10 de março de 2010

* Depois de ti *



Os pássaros de porcelana perderam o olhar opaco e alçaram vôos espetaculares riscando o céu do meu bairro,
...os soldadinhos de chumbo ganharam movimentos mais leves e tiraram as bailarinas vestidas com tulê rosa e delicadezas para dançar,
...as marionetes arrebentaram os fios que lhes prendiam a um mundo repetitivo, monótono e criaram grandes monólogos onde falavam sobre a descoberta do amor,
...os porta-retratos empoeirados libertaram as fotos e todo aquele sorriso antes aprisionado saiu por aí fazendo feliz toda a gente,
...a maçaneta enferrujada da porta do sótão do castelo se abriu e a princesa foi finalmente liberta, não precisou esperar o príncipe para se transformar em conto de fadas, tornou-se heroína que povoa os ideais das meninotas,
...o caderno com linhas vazias preencheu-se com letras e canções da história de nós dois...
o espelho parou de refletir aquela mulher irritadiça que só esbravejava contra a felicidade e passou a mostrar uma moça serena e esperançosa,
...o leite da xícara cansou de ser tão ralo, tão insosso pediu em casamento o açucareiro mais adocicado da mesa e o par tornou-se leite condensado fazendo com que as crianças moradoras da casa dessem pulos altos de alegria.
Quando os meus olhos se apaixonaram pelos teus o mundo passou a ter sentido.

domingo, 7 de março de 2010

* Sobre ácidos abacaxis e açucaradas amoras *



Era duro ser uma amora num mundo de abacaxis.
Pensou isso, mas nada disse. Era tido como a queixosa chata. E odiava ser reconhecida assim, era difícil ter que carregar consigo aquele feio apelido.
Saía de casa quase sempre de sombra "canário" e uma tiara verde de folhagens que havia confeccionado num dia modorrento quando o calor e a umidade alta faziam lembrá-la ainda mais de suas evidentes diferenças com o resto da multidão ornada de cor ouro.
Como uma família de tão tenros e altivos abacaxis poderia ter tido uma amorinha de tão pouca significância como ela? Com 2/5 de vida ainda não tinha encontrado a resposta, então se acostumava a trajar algumas vestes douradas tentando se parecer mais com os outros e a se habituar com esse martírio rotineiro.
Naquela cidadezinha de fim do mundo onde nascera apenas abacaxis imponentes tinham vez. E ela, mesmo cobrindo o apoucado corpo de vestidinhos amarelos não poderia ser feliz e isso há tempos estava acertado.
Como nos fins de todas as tardes naquele lugar cítrico, azedo, sentou no banco pintado de verde da pracinha, bem ao lado do chafariz naquele parque que cortava a cidade. Com as perninhas que não alcançavam o chão fazia um balé esquisito, silencioso embalando-as uma vez pra cá, duas vezes para lá, e lendo seu romance preferido que falava sobre destino.
E ela pequenina e avermelhada que acreditava em amor, destino, no oito deitado (infinito) e hora certa quase não acreditou quando viu aquela cena.
No outro banco de madeira pintado de verde pertinho da cancha de vôlei estava sentado um outro fruto como ela, um "amoro", que trazia no rosto um grande óculos escuros e tocava uma canção conhecida no violão preto que tinha no colo.
A amorinha então sorriu. E fazia tempos que ela não sorria assim.
Num piscar de olhos fechou o livro, deu um salto do banco onde estava, se aproximou do "amoro" e perguntou:
- Tudo bem?
O fruto escarlate abaixou com a mão os óculos até eles pousarem em seu nariz deixando aparecer os dois olhos que pareciam mirar um sonho bonito e disse:
- Nem tudo, tu sabes bem o que é ser uma amora numa terra de abacaxis.
Riram os dois ao mesmo tempo com tamanha cumplicidade de quem se conhece a vida toda.
Sabiam que o futuro juntos não seria fácil, contudo para duas amoras o amor parecia poder sobrepujar a tudo.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

* Da derradeira *


A verdade é que já estava tarde.
E era segunda-feira.
Ou domingo.
Ou qualquer dia da semana e não importa.
Estava frio.
E o céu quase chovia de tão frio.
E de repente a explicação para aquilo que ele carregava dentro de si estivesse perto de uma daquelas ruas em que a Orla quase beija a Paralela.
Ele estava um tanto cabisbaixo...
talvez por tê-la deixado tão apressadamente.
Atravessou a rua pensando no par de faróis verdes que sempre o observavam como se fosse o melhor homem do mundo.
Olhou então através da janela que separava a rua gélida de uma dessas noites do bar quentinho e azul que tem nome de santo, cerveja boa, ambiente animado e preços salgados.
E lá na tela aparecia então a mulher com que um dia (há muito tempo atrás) fora a sua musa.
"Colada" na parede, com os cabelos soltos ao lado de um qualquer segurando uma cerveja qualquer estava Claudia Leite em um anúncio de cerveja qualquer.
Ele sorriu.
Claudinha ainda o fazia um pouquinho feliz.
Chegando em casa correu até o telefone.
Ligou para aquele número que sua memória gostava de repetir.
Ela atendeu (e com a alegria provacada pela mordernidade através do identificador de chamadas) e voz doce, bem docinha disse assim:
- Olá, amor...
- Oi, só liguei pra dizer que nem a Claudinha Leite é tão bonita quanto tu.

PS: Não ia postar esse mas alguém gostou, disse que era bonitinho. :)
PS2: Com algumas modificações do original mas com a essência mantida.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

* Quando a sexta-feira chega... *


A velinha azul, que representa o pedido de Maria Flor para encontrar logo um moço alto, loiro, leal e que se dê bem com crianças, se apaga.
A estrela no céu que estava deprimida pois não tinha mais o brilho de outrora resolveu se suicidar. Virou então cadente.
Os meninos ficaram tão tristes que nem conseguiram terminar a partida de gudes.
Os peixinhos do mar não ficaram mais se mandando beijos com as bocas que antes não paravam um minuto sequer. Ficaram chateados e se esconderam por entre as algas.
Os morangos de tanto chorarem, se tornaram mais líquidos e foram acabar em cima de biscoitos em forma de geléia.
As cerejeiras não deram um cereja sequer.
Os dedinhos que formavam um coração com suas pontas naquele momento não se encontraram.
A senhorita pobre, mas ainda assim corajosa, modesta, bonita, alegre, inteligente que era a "mocinha" do filme nunca encontrou o príncípe encantado.
O sol foi embora, para trás das montanhas onde não mais conseguimos enxergá-lo.
A dor de cabeça atormentou por horas o poeta.
A torta de chocolate brigou com os ovos moles. Coitadinhas das castanhas açucaradas que acabaram órfãs.
E o meu músculo "amoreado" ficou triste e solitário...
quando na tarde de sexta-feira ela teve que ir embora.


PS: Mas ainda assim ele (meu coração) voltará a sorrir na segunda, quando nós dois estivermos juntos.

* Na cafeteria *


Sobre a mesa, uma pasta, uma bolsa, um guarda-chuva preto (e um céu que não queria chover), adoçante, açúcar (esqueceste de pedir o mascavo), sorrisos largos, uma bandeja "suicida", uma fatia gigantesca de torta (que tu juraste que não comeria inteira), um café com leite, um expresso duplo, pequenos goles, grandes planos. E quatro mãos que matavam a saudade.
- Um dia, casa comigo?
- Caso.

PS: Porque de vez em quando a poesia não está nas linhas, entrelinhas, reticências, letras do Djavan, na voz da Marisa. De vez em quando a poesia habita dois corações. E apenas dois corações sabem do que são capazes.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Ele é O Cara


Em homenagem ao fim, fumava um cigarro. Ele dizia que o bom em se iludir com alguém, é que justamente da ilusão a gente identifica o que dentro de nós está faltando. Daí, pra correr atrás e resolver a questão interna é um passo. Puta otimista, o cara. Ele dizia também que a única certeza na vida é a morte, e que a única certeza no amor, é o fim. Então, quando um romance acabava, ao invés de ficar triste, o sujeito já ficava logo ansioso pelo próximo, pra saber como seria, o que iria sentir, pensar e aprender. Puta pra-frente, o cara... Na época em que eu estava terminando com a Renata, encontrava com ele toda terça de manhã na padaria do Aluízio. Sempre lá no último banco do balcão: pãozinho com manteiga na chapa, cafezinho com leite no copo americano, boininha marrom enterrada na cabeça... Eu dava bom dia, ele olhava pra mim, sorria, e acenando dizia: “Bom dia é pouco! Hoje o dia vai ser ótimo!”. Amareladamente eu sorria de volta. Depois de comer, ele fumava um cigarrinho, cumprimentava o Aluízio, passava por trás de mim, dando uns tapinhas amistosos nas minhas costas, e na porta da padaria, vestia o casaquinho xadrez, dava uma espreguiçada, montava na bicicleta e ia embora assoviando uma música do Chico Buarque. E por falar em Renata, hoje completariam três meses sem vê-la, se eu não tivesse decidido parar pra tomar um café na padaria do Aluízio. Estavam lá os dois, Renata e o prafrentex, comendo pãozinho na chapa, tomando cafezinho com leite no copo americano. Rapidinho entendi tudo. Puta babaca, o cara.

P.S.: Roubei a bicicleta.